Por que está chovendo tanto no Rio Grande do Sul? A meteorologista Ana Maria explica

O Rio Grande do Sul está enfrentando um novo evento extremo de chuva nesta semana, com previsão de acumulados superiores a 200 mm, enchentes e alagamentos. Entenda a configuração da atmosfera.

Sistema de convecção intensa sobre o Rio Grande do Sul nesta madrugada de terça-feira (17).
Sistema de convecção intensa sobre o Rio Grande do Sul nesta madrugada de terça-feira (17).

Como alertado pela Meteored | Tempo.com ao longo dos últimos dias, o Rio Grande do Sul está enfrentando um período de chuvas extremas, com fortes tempestades e volumes de chuva torrencial que deverão causar alagamentos, enchentes e um rastro de destruição. De fato, a chuva de granizo vem causando estragos em toda a fronteira Oeste do território gaúcho.

O índice de previsão extrema (EFI) está disparado sobre o Rio Grande do Sul entre hoje (17) e quinta-feira (19), indicando que a chuva extrema deve permanecer sobre o estado ao longo dos próximos dias. Em resumo, este índice nos mostra o quão diferente a previsão do tempo é da climatologia - aquilo que ocorre normalmente na região.

Valores acima de 0,8 - em laranja e vermelho - indicam um evento extremo: entre os 1% mais intensos para a climatologia da região.

EFI para a precipitação entre terça (17) e quinta-feira (19) dispara sobre o Rio Grande do Sul. Créditos: ECMWF.
Previsão do EFI para a precipitação entre terça (17) e quinta-feira (19) dispara sobre o Rio Grande do Sul. Créditos: ECMWF.

A população precisa estar em alerta e acompanhar as orientações da Defesa Civil de cada região em busca de abrigo seguro. Mas, afinal, por que está chovendo tanto? Confira agora a dinâmica da atmosfera por trás desse episódio.

Baixos níveis da atmosfera

Em superfície temos o processo de formação de uma frente fria, onde uma área de baixa pressão atmosférica está se estendendo sobre todo o território gaúcho e formará um ciclone no decorrer desta terça-feira (17). Esta baixa pressão está canalizando a umidade sobre a região.

Linhas de pressão mostram região alongada de baixa pressão sobre o RS e associado à chuva forte (escala de cores).
Linhas de pressão mostram região alongada de baixa pressão sobre o RS e associado à chuva forte (escala de cores).

No nível de 850 hPa (nível de pressão atmosférica correspondente à altura de 1,5 km, aproximadamente) temos a atuação do Jato de Baixos Níveis (JBN): núcleo de vento intenso que ocorre a leste da Cordilheira dos Andes de norte para sul, que funciona como uma esteira transportadora de umidade e calor.

O conteúdo de umidade transportado por este tipo de sistema é tão grande que é cientificamente definido como um ‘rio atmosférico’, e pode ser visto no mapa abaixo. Umidade e calor em baixos níveis são os principais ingredientes para a convecção (chuva).

Rio atmosférico transportando grande conteúdo de umidade em direção ao Sul do país.
Rio atmosférico transportando grande conteúdo de umidade em direção ao Sul do país.

Enquanto isso, no Brasil central, temos a atuação de uma área de alta pressão atmosférica, que dificulta a formação de nuvens e chuva, uma vez que o ar é ‘empurrado para baixo’ - processo contrário da formação das nuvens. Esta alta pressão ajuda a estacionar a chuva no Sul.

Divergência de massa em altos níveis

Em altos níveis, entre 300-200 hPa (cerca de 12 km de altura), também temos núcleos intensos de ventos, os Jatos de Altos Níveis (JAN). O cenário atual nos mostra ‘divergência’ na saída do Jato Subtropical sobre o Rio Grande do Sul, representado pelo afastamento das linhas do vento na imagem abaixo.

Divergência saída do Jato de Altos Níveis sobre o RS, representado pelo afastamento das linhas do vento.
Divergência saída do Jato de Altos Níveis sobre o RS, representado pelo afastamento das linhas do vento.

A atmosfera é governada por diversas leis físicas e uma delas é a lei de conservação de massa. De uma forma simplificada, ela nos diz que não podemos ter ‘fuga’ de massa (neste caso, a massa é o ar) de um ponto sem existir um movimento compensatório para repor a massa neste ponto.

Esquema representativo da conservação de massa induzida por divergência em altos níveis. Elaborado por: Dr. Ana Maria Pereira Nunes.
Esquema representativo da conservação de massa induzida por divergência em altos níveis. Elaborado por: Dr. Ana Maria Pereira Nunes.

Então a divergência do ar em em altos níveis induz dinamicamente o levantamento do ar do ar em superfície, onde o movimento compensatório que surge para repor a massa em altos níveis é o gatilho para a formação das nuvens.

Como o ar que está sendo levantado da superfície é aquele ar quente e carregado de umidade, transportado pelo JBN, a convecção é fortalecida. Essa região de divergência em altos níveis dá o formato de “V” da convecção, que pode ser visto na imagem de satélite no início do texto.